Criação

O “Memorial Mãe Menininha do Gantois” foi criado em 1992, e reúne mais de 500 peças referentes à história, objetos rituais, e pessoais, de uma das maiores lideranças da religiosidade de matriz africana na Bahia. Ele está integrado ao espaço sagrado do terreiro.

Considerado primeiro espaço museal dessa categoria, e de personalidade única da religiosidade, o Memorial faz jus à figura legendária e visionária de Mãe Menininha, que sempre teve uma perspectiva de preservação do patrimônio imaterial, com seus ritos e idiossincrasias, assim como do aspecto material, deixando um acervo rico em peças civis e religiosas, num estilo característico de coleção aberta, dividida em três núcleos expositivos: o espaço da mulher, Maria Escolástica; o espaço da sacerdotisa, Mãe Menininha, e a ambientação do seu aposento.

Visitar o Memorial é conhecer a própria história do candomblé na cidade de Salvador, a presença marcante dos africanos e dos seus descendentes na formação da cultura da Bahia, através do contato com os aspectos da vida e da trajetória religiosa de Mãe Menininha a partir do seu acervo.

O Memorial tem obra publicada, um registro histórico do acervo, em formato de livro “Memorial Mãe Menininha do Gantois – Seleta do Acervo”, bilíngue, editado em julho de 2010, traduzindo aspectos da história, da cultura, e dos patrimônios que dão à comunidade-terreiro a sua devida importância enquanto detentora de testemunhos memoriais.

Museologia e Espaço Sagrado

O acervo do Memorial Mãe Menininha do Gantois é um testemunho da história da tradição nagô na Bahia, e das trajetórias religiosas que se integram às trajetórias sociais e culturais da cidade do São Salvador. Engloba peças referentes à história de uma das maiores lideranças da religiosidade de matriz africana na Bahia e está integrado ao espaço sagrado do terreiro.

Dentro do espaço sagrado, a museologia cumpriu suas finalidades sociais revelando o sentido de cada objeto, registro ou documento integrado ao seu universo simbólico, onde se destaca sua vinculação com o Gantois.

Coleções

Mobiliário, imaginária, indumentária, objetos de uso pessoal, atributos, louças, documentos e fotografias integram as coleções do Memorial. Cada peça tem seu sentido específico e uma realização estética que o contextualizam tanto na esfera pessoal quanto no universo sagrado. Joias de axé, abebés, vestimentas, adjás, porcelanas, obras de arte, leques, panos da costa, jogo de búzios, e tantos outros artigos, de materiais e técnicas diversas, marcam um ideal feminino e matriarcal, um profundo olhar e sentimento de preservação dos objetos enquanto testemunhos memoriais.

Sem dúvida, muitas das coleções da Iyalorixá Menininha do Gantois têm como referência os objetos do universo simbólico do orixá Oxum – orixá das águas doces, da riqueza e da beleza, marcando, dessa maneira, um ideal feminino e profundamente matriarcal.

Educação Patrimonial

O Memorial é um espaço de educação patrimonial. É um exercício vivo das relações entre o continente africano e a Bahia, e como isso é fundamental para o Brasil se sentir mais brasileiro. É um local para ampliar conhecimentos e vivenciar essa tradicional cultura de matriz africana. Integrando a política de dinamização e plano de acessibilidade ao público, o Memorial, além de ser aberto à visitação, integra programações externas e internas, tais como: realização de palestras, oficinas, participação em encontros, intercâmbios, congressos e eventos de natureza patrimonial, educativa e sócio-cultural.

Horário de Funcionamento: Terça a Sexta-feira, das 09 às 12h, e das 14 às 17h; e, eventualmente, aos sábados, em caso de visitas guiadas, com agendamento programado.

Email: memorialmaemenininha@gmail.com

Perfil de Mãe Menininha do Gantois

Maria Escolástica da Conceição Nazareth, negra, brasileira, natural de Salvador/BA, nasceu em 10 de fevereiro de 1894, filha de Joaquim e Maria da Glória. Descendente de africanos da nação Egbá-Arakê, das terras de Agbeokutá, no sudoeste da Nigéria, Mãe Menininha, como ficou conhecida ao longo de sua vida, era bisneta de negros libertos, especificamente, Maria Júlia da Conceição Nazareth e Francisco Nazareth de Etra.

Iniciada aos 08 meses de idade, para o Orixá Oxum, cumpriu, desde cedo, a determinação das tradições de sua família consangüínea, uma forte representante da religiosidade de matriz africana na Bahia, especificamente do Candomblé do Gantois.

Fundado em 1849, o Ilê Iyá Omi Axé Iyamasé – Casa do Candomblé do Gantois, localiza-se no Alto do Gantois, 23 – Federação – Salvador/BA, ocupando uma área de antigos negreiros belgas e proprietários de terras, com terreno aforado por Maria Júlia e seu esposo, Francisco Nazareth de Etra.

Maria Júlia, ao fundar o Gantois e criar a Associação de São Jorge Ebé Oxossi, inaugurou uma nova fase para os ritos africanos na Bahia, no momento em que o Candomblé da Barroquinha teve que ser dissolvido em seu núcleo original, em função dos interesses dominantes da época, que atendiam à perspectiva de urbanização do centro de Salvador. E, os negros, escravos ou libertos, eram isentos de condições para integrar esse contexto, seguindo para área fora da urbis soteropolitana.

O Gantois, assim como a Casa Branca, é uma célula fundamental do Candomblé da Barroquinha, e se estabeleceu no Alto do Gantois, chegando até a atualidade com a preservação da memória e das tradições primordiais.

Instituição religiosa de origem ketu, o Candomblé do Gantois, historicamente, mantém a política do matriarcado, ou seja, prima pela tradição de dirigentes femininas, e sucessão hereditária, de linhagem consangüínea. No processo sucessório, Mãe Menininha foi a 4ª Iyalorixá desse Templo Religioso (1922/1986), com a consciência de sua grande responsabilidade: fazer valer a integridade da religião negra, tão bem conduzida por sua bisavó, Maria Júlia da Conceição Nazareth (fundadora da Casa do Gantois, em 1849), por sua tia, Pulquéria de Oxossi, a Grande (2ª Iyalorixá na cadeia sucessória – 1910/1918), e também por sua mãe, Maria da Glória (3ª Iyalorixá da Casa – 1918/1920).

Assumindo a direção do Gantois muito jovem, aos 28 anos, Mãe Menininha, já era casada, a essa época, com o advogado Álvaro Macdowell de Oliveira, e teve 02 filhas, Cleusa e Carmen, ambas iniciadas, também, desde cedo, como rege a tradição da Casa. Modista e fina doceira, Maria Escolástica – Mãe Menininha, como era chamada e querida, foi Mãe, Mulher, Líder Religiosa, tornando-se uma verdadeira “instituição” no Brasil, e deixou ensinamentos de grande valia para a perpetuação da religiosidade de matriz africana na Bahia, com uma forte contribuição ao professar a fé, dando lições de poder, humildade e respeito. A sua história se confunde com a própria história do Candomblé no Brasil, pelo fato de ser oriunda de família de linhagem nobre africana, uma das responsáveis pela implantação do candomblé na Bahia.

Cantada em verso e prosa, Mãe Menininha teve muitos amigos, admiradores, fiéis e filhos de santo. De hábitos simples, possuía a coragem dos vitoriosos e uma alta capacidade de liderança, mantendo sua integridade religiosa; o trânsito na esfera intelectual, aliado à habilidade na luta pela preservação da identidade cultural e memória do povo de santo, mostrava o viés diplomático em suas ações. Falava claramente o idioma iorubá e detinha conhecimentos das línguas jeje e bantu, o que lhe conferia o domínio sobre cantigas, poemas e orações de cunho litúrgico.

Em termos de titularidades e condecorações Mãe Menininha foi Presidente de Honra, Orientadora e Fundadora da UBEPCA (União Brasileira dos Estudos e Preservação dos Cultos Africanos), Comendadora da Ordem das Artes e das Letras da França pelo Ministério da Cultura da República Francesa, Presidente da Sociedade Gueledé, além de ter recebido as honrarias como a Comenda Sic Illa ad Arcam Reversa Est – Medalha 2 de Julho (Independência e Liberdade Sempre/1823), a Comenda Legião do Mérito Presidente Antonio Carlos e a Comenda Regente Feijó.

Essas características faziam de Mãe Menininha, mesmo numa sociedade tipicamente patriarcal e preconceituosa, uma mulher segura e firme, embora sendo uma Senhora flexível e fortemente amorosa, tendo na ajuda ao semelhante, uma definida postura caridosa que chegava, muitas vezes, a esquecer de sua própria vida para passar dias e noites atendendo fiéis e pessoas do povo que necessitavam de auxílio, inclusive material. Alimentou, vestiu, abrigou inúmeras recorrentes, pois tinha o entendimento de que os princípios éticos e filosóficos aprendidos desde criança, em seu núcleo familiar e religioso, primavam pelo acolhimento. As religiões antigas, consideradas primordiais, e de onde o Candomblé é herdeiro, legaram para posteridade o sentido humanista. Abriu as portas do Gantois sem questionar procedência, sem medo e sem receio; e nunca permitiu que violasse segredos e mistérios da religiosidade.

Todos esses fatores eram muito nítidos na personalidade e nas atitudes de Mãe Menininha do Gantois com a liderança de sua comunidade, tornando-se uma figura emblemática, que enfrentou a repressão e a discriminação ao Candomblé, nunca se curvando aos desígnios dos poderosos locais, pelo contrário, conseguiu com sua força espiritual estabelecer uma base onde os templos do candomblé passaram a ser uma espécie de pára-poder, principalmente, em Salvador. Inclusive, as matriarcas do Candomblé tornaram-se figuras respeitadas e respeitáveis, passando aos poucos a ter um trâmite social, sendo suas casas freqüentadas por políticos, estudiosos e membros de outras agremiações religiosas.

Viúva, após 64 anos comandando o Candomblé do Gantois, faleceu de causas naturais, retornando para o Orun, em 13 de agosto de 1986, deixando um legado de luz e espiritualidade.

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